domingo, 13 de novembro de 2011

Xangô: Filiação

xang


Xangô é vermelho e branco, espécie de síntese entre o vermelho de Exu e o branco de Oxalá. É o Orixá da Justiça, e, como seu filho e leonino, procuro trabalhá-lo nesse sentido, e não no da vingança. Justiça com compaixão: uma vivência cotidiana. Xangô é dança, é expressão, é eloquência em todos os sentidos, não apenas da palavra. Desde menino, sempre gostei de dançar (sabendo ou não os passos), em especial sambas (quase todas as festas de 15 anos ou de casamentos terminavam com sambas enredos ou outros, e ainda terminam): Xangô queria falar, rodar, brincar, ser visto.
Orixá do fogo, do raio, do trovão, faísca que pode provocar incêndio. Paixão, devoção, plenitude de potencialidades, fogo que prova de si mesmo e, por isso, não se queima. Sensibilidade à flor da pele, lava que se assenta para ouvir melhor e argumentar, em vez de explodir, em exercício de impassibilidade de pedra. Montanha que se alcança com passos precisos, pois do alto a vista é maior. Fogo que se alimenta de si: Xangô.
O machado de Xangô, batendo na pedra, gera faísca. Justiça, equilíbrio, verdade que se abre, vem à tona e, literalmente, queima. Xangô sincretizado com tantos santos, dentre eles São João Menino e a fogueira; São Jerônimo e o patriarca Moisés e com o texto escrito; com São Pedro, o apóstolo cujo arquétipo é o do mais humano, nem distante como Judas nem tão próximo quanto João: aquele que promete e não cumpre, que forja a sua fé no fogo da experiência e por isso se torna líder. Xangô também é Santo, é Orixá: energia bruta, em ebulição, para ser trabalhada de maneira harmônica, pois o Aiê pode ser Orum, e vice-versa, o diálogo pode ser constante, sem cobrança de tarifa de interurbano ou pedágio de rodovia.
Kaô Kabiecilê!

Rei que nos lembra que todos somos divinos, reais (em todos os sentidos). Rei do vermelho e do branco e também do marrom, da energia telúrica, da vida, do intenso. Rei que carrega rei nas costas, a fim de compensar uma injustiça contra seu pai Oxalá. São várias as qualidades de Xangô (as mais conhecidas são doze), e há quem sustente que Ayrá não seria propriamente um Xangô, mas teria seu culto amalgamado ao do Orixá do fogo. Para muitos Ayrá é um Xangô mais velho, mais maduro; outros o qualificam como jovem. Ayrá se veste de branco para saudar Oxalá.
Xangô que não resiste aos encantos do feminino ("Meu reino por um chamego"). Só mesmo as águas de Oxum, Oyá e Obá para refrescar tanto fogo: as mesmas águas fervem com o fogo. Xangô: paixão e tensão com Obá. Xangô apaixonado por Oxum, mas que não vai morar no fundo do rio. Xangô e Iansã comungando do fogo, alimentado pelo vento. Quem disse ser fácil ter três esposas?
"Água mole em pedra dura/ tanto bate até que fura". Novamente as águas das meninas provocando Xangô, pois pedra também tem vida, respira, cresce, rola. Xangô é pedra que deita e rola.
Conta-se que certa vez Xangô fugiu de seus perseguidores vestido de mulher, auxiliado por Oyá. Os inimigos lhe abriram caminho pensando tratar-se da linda Iansã. Bela imagem da integração entre masculino e feminino: colocar-se no papel do outro para salvar/conhecer a si mesmo (1).
Xangô: o raio que na noite escura indica o caminho; o corisco na madrugada; o machado que separa e une os opostos, num ir e vir, no ritmo e no fluxo da vida; o pai que pune o filho de modo assertivo, justo e de maneira a conscientizá-lo das responsabilidades do erro e da reparação (o pai que não bate, não vinga); a pedra firme e segura, mas que sabe rolar; a beleza, o donaire, a elegância na simplicidade e sem afetações; a sabedoria de viver a realeza na realidade; o trovão que avisa; a celebração nas pequenas e nas grandes coisas; o coração; a paixão; o amor; o riso largo; o fogo em todas as nuanças.
Emi Xangô Obá Iná!
(Eu sou Xangô, o Rei do Fogo!)
Kaô, meu Pai! Kaô!
Deixa a gira girar!
NOTA
(1) Veja-se esta correlação com o deus nórdico Thor, inscrito na mesma gama arquetípica de Xangô: "Uma interpretação interessante sobre o mito em que Thor, disfarçado de mulher, resgata seu martelo é dada pela escritora Freya Aswynn. Ela afirma que, somente ao assumir sua anima (indicada pelas roupas femininas), Thor consegue resgatar sua verdadeira masculinidade (simbolizada pelo martelo que, como a runa Thurisaz, é uma figura fálica). (FAUR, Mirella. Mistérios nórdicos: deuses, runas, magias, rituais. São Paulo: Pensamento, 2007 p. 86)
Dermes

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