quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A história de um Exu, amigo meu!


Texto retirado do blog da minha amiga, ouvinte e colaboradora Cristina Arante
http://atabaque26.wordpress.com


Há alguns séculos atrás, eu fazia parte de uma família muito humilde, porém com grande sabedoria. Isso fazia com que as pessoas do pequeno vilarejo e amigos dos meus pais, tivessem muita inveja da gente. Sentimento terrível de se possuir, uma vez que envenena muito mais quem o possui, mas como ia dizendo, a sabedoria magística deles era incompatível para a época. Eram tidos como bruxos, porque através dos benzimentos ajudavam muita gente, mas a maioria preconceituosa, e formada por religiosos ortodoxos, eram contra essa prática, pois achavam que meus pais poderiam fazer mal a eles ou aos seus filhos e familiares. Para mim era incompreensível a persistência dos meus pais. Até que um dia, foram assassinados de forma cruel, e eu pequeno com apenas cinco anos de idade, passei a morar com meus tios maternos e duas primas esquisitas. Alí começava uma nova vida, repleta de descobertas e intolerâncias, caminho pelo qual passei e me lembro como se fosse hoje. Apesar da tenra idade, havia aprendido com meus pais muitas coisas, na verdade herdei o dom da cura, só que não sabia.


Meus tios, então passaram a ser meus tutores, e tomavam conta para que o bruxinho, era como me chamavam, não desenvolvesse seus dotes de magia, para isso me obrigavam a estudar a bíblia todos os dias. Na verdade meus tios nunca se preocuparam em disfarçar seu desinteresse por mim. Eu sentia uma chama arder dentro do meu peito, como que pedindo para sair, mas eu era pequeno para compreender que meu espírito sobrepunha a matéria e como um livro antigo, acumulava a sabedoria intuitiva milenar, que eu não sabia ainda como demonstrar. Fui crescendo, e a revelia dos interesses, o meu lado bruxo foi aparecendo para todos, claro que minha tia sempre muito carinhosa e amável comigo, me protegia do antagonismo do meu tio. Muitas coisas ela sabia que eu fazia, mas não contava a ele. Se contasse, ela seria banida da igreja, e aí seria o caos para mim e para ela.
Aprendi a conviver com minhas duas primas mais velhas, e fui crescendo, ficando mais maduro, nunca perdendo a oportunidade de pesquisar sobre bruxaria através da pouca literatura que meus pais haviam deixado disponível, afinal aquilo era minha história de vida. Com o passar do tempo a convivência familiar ficou suportável e foi com uma de minhas primas, exatamente a mais velha das duas, que nasceu um sentimento mútuo, capaz de nos unir na mais confidente cumplicidade. Seu nome era Vera, Vera de veracidade, palavra essa muito forte para a época. Jamais a esqueci. Era uma moça exemplar, muito bonita, cabelos longos e negros, olhos amendoados, lábios carnudos, de corpo escultural, não era pra menos a enorme fila de pretendentes, mas o nosso amor era focado em nós mesmos, e imune a todo tipo de interferência. Éramos felizes assim, da nossa maneira e minha tia se orgulhava do nosso relacionamento, mas o que não sabíamos é que nossa felicidade despertara o ódio de minha outra prima, Raquel. Moça lindíssima, era também muito inteligente e estudiosa, mas não gostava nada das pesquisas sobre bruxaria que eu e Vera fazíamos, provavelmente porque a Vera tinha se afastado um pouco dela ou por achar que iríamos fazer algo de mau contra ela. Contrariada deixou que o medo a tornasse muito amarga, medo esse sem sentido, porque a nossa bruxaria, nada mais era que explorar a magia dos elementos da natureza. Com o passar do tempo envenenada pelo próprio ódio, Raquel decidiu procurar um feiticeiro eremita muito famoso do lugarejo, em busca de proteção e esclarecimento sobre exatamente o que eu e Vera estávamos fazendo. Percebendo a fragilidade de Raquel o Feiticeiro a envenenou ainda mais contra nós, e foi então que um trabalho de magia negra foi realizado.
Nesse momento da nossa vida, era comum todos os dias uma pequena fila de pessoas em nossa porta em busca de ajuda, e notando a total indiferença de Raquel, por vezes explicamos a ela o objetivo maior do nosso trabalho espiritual.
O trabalho era árduo, e minha amada Vera começou a ficar muito angustiada, muito triste, começou perder peso e acabou ficando de cama. Minha sogra ficou muito preocupada quando viu sua filha assim, tão fraca, frágil e debilitada. Com o passar dos dias não caminhava mais, tínhamos que colocar o alimento em sua boca, não falava mais, e o desespero foi tomando conta de mim em apenas imaginar a possibilidade de perdê-la. Seus pais ficaram apavorados e por isso trocaram várias vezes de médico, na esperança de um diagnóstico correto que pudesse salvar sua vida, mas ela não se recuperava, eles não descobriam o que ela tinha, nada adiantava.
Já sem esperanças corri por um matagal que fazia frente a nossa casa, e só parei quando caí de peito a margem do rio que cruzava nossa cidade. Era tarde da noite, então instintivamente levantei os meus braços para o céu e sem entender o que falava gritei para o universo:
- Atotô meu Pai Omulu!
- Vós que tem o poder sobre todas as moléstias, vinde em socorro de minha amada Vera!
- Vós que tem a maior de todas as magias, detenha qualquer outra que possa ter atingido minha mulher, e sem compaixão, que vossos servos devolvam a demanda a quem pertence de direito.
Em prantos e com os joelhos enterrados na lama, observei que várias pessoas cobertas por um manto escuro e um capuz, disseram em coro:
- Assim será feito!
Depois de sair do transe, fiquei ainda algum tempo sentado a beira do rio e achei que tudo aquilo não passara de uma alucinação.
Era alta madrugada quando voltei para casa e qual foi minha surpresa ao encontrar Vera sentada na cadeira de balanço, apreciando a lua que se mostrava em sua plenitude.
Depois desse dia, nossa vida se modificou e virou parte da nossa rotina ir nos dias de lua cheia, até a beira do rio reverenciar e agradecer o que chamávamos de os espíritos do rio.
Muitos anos se passaram, e além dos filhos e netos maravilhosos, tivemos uma vida repleta de momentos felizes e inesquecíveis. Agora era eu que velho e cansado, na cama esperava pelo momento de partir deste mundo. Minha companheira de sempre não se ausentava do meu lado, dando o conforto que meu espírito necessitava, porém, ela não notara o entrar daquele visitante, coberto por um capuz e por um manto negro;
..... ele tomou minha mão, me levantou, e me cobriu com um manto negro igualzinho ao dele, e disse:
- Vamos embora meu irmão!
- Hora de voltar para casa e assumir seu lugar ao meu lado novamente.
- Bom trabalho!
- Laroiê Exu!
Psicografado por: Cristina Arante (04/10/2010)
Laroiê Exu Caveira!

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