Vitalina de Andrade Quilombo de Monte Alegre, Maranhão
Texto enviado por meus colaboradores do blog: http://raizafricana.wordpress.com
Filmado no Brasil, Guiné-Bissau e Cabo Verde, o documentário “Kilombos”, realizado por Paulo Nuno Vicente, transporta-nos pela memória oral das raízes africanas das comunidades quilombolas, cruzando-as com o território das suas manifestações culturais contemporâneas. A estreia do filme está agendada para 7 de Março, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
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Vitalina de Andrade Quilombo de Monte Alegre, Maranhão
- Aqui era um mato. Tinha um senhor no tempo da escravidão. Eram dois irmãos. Lá se desuniram. Ele meteu a cabeça no mato e veio andando, andando, andando, no meio desse mato. E achou que aqui era bom: tinha água, tinha tudo e era um matão.
Vitalina de Andrade Quilombo de Monte Alegre, Maranhão
- Aqui era um mato. Tinha um senhor no tempo da escravidão. Eram dois irmãos. Lá se desuniram. Ele meteu a cabeça no mato e veio andando, andando, andando, no meio desse mato. E achou que aqui era bom: tinha água, tinha tudo e era um matão.
Ele fez moradia aqui e aí ele botou o nome daqui: Monte Alegre. Se chamava Vestiniano Parga. Era dele. Aí quando acaba a escravidão, ele quer ir embora, chama os pretos para comprar. Ele ia vender para eles. Os pretos reuniram e foram comprar. Esses pretos velhos daqui: meus avôs, avôs de nós. Avôs, bisavôs foram comprar [a terra].
Menino, eu me esqueci foi do preço da terra! Até isso eles me disseram. Aí foram pagar a terra, o povão aqui. E aí, passado uns tempos, pretos foram buscar os papéis da terra.
Leão foi quem trouxe o papel da terra. A gente nesse tempo não tinha desconfiança uns com os outros, não.
Todo o mundo confiava uns nos outros. Aí entregou para eles e o povo pegou o papel. O papel era do povo!
Leão guardou. Depois quando morreu, passou para Isidoro, que era filho dele. Ficou com os papéis. Isso aí eu vi. Eu estava garotona já.
Um dia Joãozinho chegou, querendo ver o papel. “Isidoro, deixa ver papel da terra que eu quero ver”.
Isidoro entrou, foi buscar e entregou. Aí, pegou, olhou e saiu com o papel. Isidoro pediu. “Dá aí o papel”. E ele:
“Não, vou levar papel para corrigir um negócio errado que tem aqui”. “Tem nada errado, rapaz me dá papel!”. E com essa ele foi andando e ficou com papel. E não deu. Aí ficou ele, Joãozinho, como dono do Monte Alegre.
Sempre vinham perguntar para vender e sempre ele dizia: “Não posso vender, que tem dono”. Ele tinha os papéis, mas tinha essa consciência. Mas quando Joãozinho morreu, os filhos dele começaram a vender pedaços de terra por aí. Até de 15 cruzeiro vendiam. Vendendo, vendendo, vendendo, vendendo, sem ser deles. Aí meu deus… Venderam tudinho. Depois, aconteceu que o povo queria tomar a terra e o cabra que comprou a terra não queria entregar.
Juntou uns capangas dele e mandou aqui fazer um despejo. O povo tesou que não ia. Aí ele mandou tocar fogo nas casas, derrubar e ver se o povo ia embora daqui. Queimou casas quase todinhas. Aí o povo ficou na rua, mas disse: “Daqui não sai. Daqui não. Nós não sai daqui. Nós não tem para onde ir”.
Fizeram barraco, fizeram latada, veio uma chuva, aí molhou a gente. As casas queimadas e o povo no meio do tempo. Morreu gente, diabo a quatro. Eu me lembro que, quando passou, graças a Deus, reuniu gente de todas as partes. Era de São Luís, era de Teresina, de Bacabal, era de Caxia, era de todo o lugar. Povo teimou:
“Nós não sai daqui não. Só morto. Não sai daqui não”. Eu só saio daqui mas subindo direito. ELE adiante e eu atrás.
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Gildázio Costa Quilombo de São Sebastião dos Pretos, Maranhão
- Aqui foi uma área feita por quatro companheiros. Esses companheiros andavam no seringal, tirando seringa.
Eles vieram, trabalharam, deixaram famílias lá e vieram para Bacabal. Foram trabalhar com um velho chamado Eusébio Trinta.
Aí eles pediram para ele um lugar para eles se situar e para eles poder ir buscar as famílias. Aí o velho disse:
“Olha, vocês vão aqui directo, chega aquela entrada de olho de água, essa entrada que entra para cá, lá vocês tocam cabeça no mato. Vocês vão sair num povoado chamado Centrinho, lá ao pé de uma estrada velha. Lá vocês atravessam e tocam cabeça no mato. Pode seguir aí, até vocês cansarem, lá no fundo tem um lago.
Daquele lago para cá, vocês podem caçar o lugar e situar”.
Aí eles vieram, chegaram. Atravessaram tudo. Chegaram aqui, tocaram cabeça no mato e tem o lago.
Aí eles vieram, chegaram. Atravessaram tudo. Chegaram aqui, tocaram cabeça no mato e tem o lago.
Chegaram no lago, eles voltaram, e situaram. Quatro companheiros, cada um com sua família. Aí fizeram quatro casinhas. Duas bem aqui, duas lá onde é o campo de futebol.
Aí eles trouxeram a família deles. Começaram a trabalhar. Começaram gerando, gerando, gerando e cresceu.
E este panelão já foi eles que acharam aqui. Um era meu avô, Bonifácio Costa. Eles acharam isso aqui nesse mato e trouxeram para cá para o povoado e a gente tem essa amizade para esse panelão para não sair.
Gente vem de Bacacabal, pede: “Rapaz, cê não cede esse panelão, para a gente fazer uma passeata com ele?”. Eu digo: “Não. Esse panelão não sai daqui. Essa é a origem. Porque vocês levam ele, faz a passeata com ele lá, e diz nós não leva hoje, nós leva amanhã. Amanhã passa e não traz. Não nós não fomos hoje, mas espera amanhã que nós levamos o panelão de vocês. Vai um, vai outro e ficam com ele para lá. E nós não deixamos ele sair. Está querendo ver o panelão? Vem de lá, vem ver, que ele está aqui todo o tempo”.
Esse panelão, meus avós contavam para nós que era de fazer comida para os escravos. Ele fica connosco todo o tempo. Eles contavam para nós: “Meus filhos, esse panelão vocês tem cuidado com ele. Isso aqui vai ter grileiro que vai querer tomar isso aqui de vocês”. E nós dizia: “Vovô, nós não damos não. Pode brigar, mas nós não damos, porque levar nas costas eles não leva e botar no carro eles não bota, que nós não deixa”.
Como até hoje nós estamos com ele. Sou uma criatura que já tem a minha idade, tenho 72 anos, sou orgulhoso por viver nesta terra. Nasci e me criei bem ali. Nasci, me criei, estou nessa idade, nunca saí no mundo, estou sempre aqui, tenho orgulho e amizade. Como eu digo, para mim, não existe terra boa igual a essa terra. Porque foi esta terra que me criou. Me criou, me deu todo o sustento. São Sebastião dos Pretos.
Sou feliz.
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Emília Moreira Quilombo de Matões dos Moreiras, Maranhão
- Aqui é um quilombo de fugitivos. Ali tem uma antiga fazenda, eles [antepassados escravizados] saíram de lá, vinham fazer suas estratégias, seus planos. E aí começaram a discutir como se libertar. Ficaram ali escondidos.
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Emília Moreira Quilombo de Matões dos Moreiras, Maranhão
- Aqui é um quilombo de fugitivos. Ali tem uma antiga fazenda, eles [antepassados escravizados] saíram de lá, vinham fazer suas estratégias, seus planos. E aí começaram a discutir como se libertar. Ficaram ali escondidos.
Para mim, a escravidão ainda não acabou. Hoje ela é de uma forma mais leve que às vezes a gente até pensa que não tem, mas está aí. Apesar desse Brasil dizer que é um pais democrático, mas tanto está provando que a gente está aqui com um conflito que já vem acirrado com mais de 40 anos. Os grandes fazendeiros tomaram as terras e nós estamos querendo receber aquilo que é nosso por direito.
Os opressores tocaram fogo nas roças e por isso houve pessoas que foram embora [do quilombo] e se desgostaram. Houve gente que já morreu e nunca voltou, e há outros que querem voltar, mas ficam com medo.
Vieram uns jagunços, oferecendo 10 reais – na época não era real, oferecendo 10 cruzeiros – e 10 litros de combustível, que era para nós se calar e não dizer onde passava o limite das terras. Resultado, o limite hoje passa dentro das casas. Nós temos casas construídas dentro das casas que o opressor diz que é dele.
A melhor terra está do lado deles. A gente vive num semiárido, não temos campos agrícolas, não temos reservas, não temos nada porque nós não sabemos onde estamos, onde é a terra de Matões. Nós não sabe de acordo com o conflito. Agora, na nossa cabeça, na nossa memória, na nossa história, a gente sabe onde está Matões. E é por isso que há um conflito.
Eu já passei aqui três meses sem passar na comunidade, já fui ameaçada. Entrava aqui de manhã fugindo da minha própria casa, entrando de manhã e saindo à noite, ou entrava à meia-noite e saía de madrugada. Já saí daqui com dez homens, por causa das ameaças. Alguém que chegou aqui na minha porta para me dizer que me ia dar uma pisa [surra] que eu ia ficar a andar de cadeira de rodas.
E aí a comunidade se começou a preocupar. No sentido em que era mais uma pessoa que a gente iria perder.
Fonte: Buala
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