terça-feira, 8 de novembro de 2011

Ceia dos Orixás



NO DENDÊ, NA PIMENTA E NO MEL ESTÃO OS SEGREDOS DO SANTO

No princípio dos tempos, Obatalá, com suas vestes de céu e Odudua, a Mãe-terra, uniram-se. Deste amor universal nasceram dois filhos: Aganju, forte, com sua couraça de rochas e Iemanjá, bela, em suas roupagens de gotas d'água.
Um milênio durou este amor. E dele nasceu Orugã, um ser tão poderoso que corria entre o céu e a terra. E, num dia em que Iemanjá estava adormecida em águas eternas, Orugã, ardendo de desejo, correu para ela.
A mãe dos peixes, desesperada, foge e cai. E de seu corpo nascem neste momento, os Orixás. Surge Xangô, com seu machado de asas, Oxum, com suas cachoeiras de prata, Okê, deus das montanhas, Xapanã, marcado pela varíola, Exu, Olua e Iansã, a mais ardente, com suas roupas de fogo e sua espada de luz. Oía, eparrei, deusa dos ventos, das tempestades, eparrei senhora do Rio Niger.
As cozinheiras de santo andam atarefadas. Elas preparam a ceia dos deuses. Os odores da comida baiana perfumada a dendê enchem a sala, e assim vamos ver primeiramente a comida de Iansã, e aprendê-las.
AS COMIDAS DE IANSA,
A GUERREIRA
ACARAJÉ, BOBÓ, ABARÁ, MILHO DE IANSA
Estas são as suas comidas prediletas, e as que vamos ensinar a fazer.
Primeiramente, devemos saber que Iansã resolve casos difíceis, pois é guerreira e mora nos ventos. Foi mulher de Xangô, na África. É a único Orixá que não teme os eguns (almas).
ACARAJÉ
Coloca-se um quilo de feijão-fradinho de molho de um dia para o outro e depois se retira a película que cobre o feijão. Ele é descascado. Depois leva-se o feijão à máquina de moer e transforma-se o feijão numa massa fina.
Moem-se os temperos: cebola, camarão seco, adicionando-se um pouco de dendê. Bate-se bem a massa Leva-se ao fogo em frigideira de azeite de dendê, quase cheia, deixa-se, ferver e frita-se a massa em forma de bolinhos. Os bolinhos corados são o acarajé. São servidos a Iansã frios, mas para os mortais, que se lambem ao prová-los, servem-se quentes, com uma pinga de Santo Amaro, não destas cariocas sem gosto, vendidas por toda a parte. O prato de Iansã é enfeitado nas bordas com louro verde. Axé.
BOBÓ
Sua feitura é muito simples. Pega-se o aipim (inhame) limpo e descascado. Leva-se ao fogo para cozinhar. Quando está mole amassa-se com um garfo. E deixa-se que a água vá secando, e junta-se camarões secos, descascados e moídos, cebola, salsa e cebolinha, e azeite de dendê. Obtém-se uma espécie de purê, e leva-se à travessa com enfeites de folhas de salsa e louro. verdinho. Serve-se. É uma delícia, mas deve ser servido em dia frio, pois faz suar qualquer mortal, até os negros mais resistentes. Uma boa bebida para acompanhar é a champanha gelada (em caso de mortal, pois o Orixá, o Imortal, não bebe gelado, não).
ABARA
Semelhante ao acarajé. A massa é a mesma e os temperos são iguais. Pronta a massa, retira-se com uma colher de pau uma quantidade pequena e vai se formando os bolinhos. Dentro dos bolinhos coloca-se um camarão seco. Depois envolve-se o bolinho com folha de bananeira emurchecida no fogo, e amarra-se com embira tirada do talo da folha de bananeira. Coloca-se a cozinhar em banho-maria.
MILHO DE IANSA
Espigas de milho verde escolhidas e limpas. Leva-se a cozinhar. Depois de cozidas retira-se do fogo; coloca-se as espigas em pé em um alguidar e rega-se com mel de abelha, depois de frias. Iansã gosta muito deste prato.
COMIDAS DE OXUM
SENHORA DAS CANDEIAS
E DAS AGUAS DOCES
Saravá Dona do Ouro e da Mina
Do dengue, do ouro, do perfume, ela é a dona. Mora nas cachoeiras douradas e tem muito poder sobre a intuição, pois só as filhas de Oxum podem fazer o jogo dos búzios. Conta a lenda que Oxum enganou Exu para conhecer o segredo do jogo. Ela foi mulher de Xangô, e transfere para as suas filhas o seu jeito ameno de ser, carinho e bondade.
Sua comida preferida é o Omulucum. OMULUCUM

Pega-se o feijão fradinho e depois de escolhido e lavado, deixa-se de molho para facilitar seu cozimento Deixa-se cozinhar, e quando estiver molinho tira-se do fogo. Tempera-se uma porção desse feijão. Numa outra panela ou mesmo frigideira coloca-se o tempero, composto de azeite, camarões e cebola ralados. Deixa-se refogar por algum tempo. Feito o refogado com a porção do fradinho que foi retirado, volta-se à panela e junta-se tudo. No fogo deixa-se tudo passar por fervura e depois de tomar gosto e cor, adiciona-se mais um pouco de dendê e deixa-se secar este caldo, com cuidado de não deixar queimar.
Para a Santa serve-se frio, em alguidar, e se coloca, caso queira, na cachoeira, numa pedra bem ao lado das águas, com velas, rosas e perfumes. Pode-se enfeitar o Omolucum com ovos cozidos por cima, o que é de muito agrado da Santa Menina brejeira, senhora do amor. Aieieu, meiga e linda Oxum, minha mãe.
IPETÉ
Pega-se o inhame (macaxera ou aipim) e descasca-se bem. Corta-se em pedaços pequenos. Em uma frigideira prepara-se o tempero que é o seguinte: azei
te de dendê, camarões secos, cebola, um pouco de pimenta, tudo bem ralado. Depois joga-se este tempero na panela até que tome cheiro e sabor. Serve-se à Santa frio. Oxum gosta muito deste prato.
FARINHA DE BANANA OU EFUN-OGUEDÊ
Pega-se banana-da-terra e deixa-se secar ao sol e depois corta-se e passa-se no ralo (relador) para virar uma farinha. Esta farinha é a de Oxum Serve para acompanhar peixe cozido. E para ela serve-se numa tigela branca, com o peixe e temperos. Pode-se fazer esta farinha também com a banana de S. Tomé.
OCHIM-CHIM DE GALINHA
É feita com galinha, que depois de limpa é refogada com sal, camarão seco, salsa, coentro, cebola ralada, pimenta, e azeite-de-dendê. Vai-se pondo água até a galinha ficar cozida. Deixa-se secar toda a água (é para não ficar descorada) e coloca-se azeite-de-dendê para servir de refogado. Passado alguns minutos retira-se do fogo. Esfriar e servir.
COMIDAS DE XANGÔ
Xangô é o senhor dos raios, das tempestades e do trovão, sendo também quem rege a justiça. Seus pratos preferidos, segundo Ialorixá Marieta de Bogun, são: Ecuru, Amalá, Bobô, Benguê, Aberém, Zoró.
ECURU
Os iorubanos do oeste nigeriano dão ao deus Xangô 20
a força do trovão. E uma iguaria quente e saborosa lhe é ofertada.
Feijão-fradinho, posto para inchar, depois descascado. Isto feito, passa-se na máquina de moer ou na pedra-de-ralar até formar massa. Tempera-se com azeite, camarão seco e cebola ralada. Tudo pronto faz-se vários bolos e que são enrolados na folha de bananeira, previamente murcha ao calor do fogo; depois de amarrados, pega-se os bolos todos e em outra vasilha cozinha-se, em banho-maria. Rega-se com azeite-de-dendê e serve-se.
Nas pedreiras é posta esta comida, com velas marrom e flores amarelas. Xangô recebe também cerveja preta.
AMALÁ
Também se conhece por Amalá qualquer comida de santo, pois o nome por extensão abrange qualquer comida para o Orixá. Arthur Ramos, o grande folclorista, a ele se refere sem no entanto defini-lo bem.
Édison Carneiro, autor de Candomblé da Bahia, a ele se refere também da seguinte maneira: "alimentos destinados aos Orixás e postos em seus altares nos dias determinados têm o nome especial de Omalá. Omalá de Oxóssi, Omalá de Xangô, etc. ... Religiões Negras.
RECEITA DE AMALA, DA BAHIA
Marieta do Tempo, mãe Criadeira da Casa do Bate Folha, assim falava: Amalá é iguaria feita com caruru e angu ou arroz, que se destina ao grande Orixá do trovão.
Pode-se fazer o amalá com mostarda, taioba, bredo, capeba, quiabo. Refoga-se com dendê, camarão e cebola.
Pode-se juntar uma rabada cozida ao ensopadinho de quiabo. E só se usa um legume ou uma erva de cada vez.
BOBÓ
Exatamente como o preparado para Iansã. Serve-se em tigela branca e frio, para o Orixá. Para o ser humano e guloso, serve-se bem quentinho.
BUENGUÉ
Cozinha-se o rolho branco de canjica e quando estiver amolecendo, adoça-se. Serve-se em tigela branca. Indicam também esse Amalá para Oxalá, Ogum (salve Papai e Oxóssi). o grande pesquisador Pierre Verger afirma que este alimento foi servido no seu tempo, na Bahia, para Oxalá.
ABERÉN
Leve-se fubá de milho branco e água ao fogo, mexendo-se bem para não embolar. Deve-se, aliás, fazê-lo sempre em banho-maria. Faz-se bolinhos com uma colher de pau e coloca-se em folhas de bananeira que se murcha antes ao calor do fogo.
Amarra-se. Serve-se em tigela branca.
ZORÓ
Ensopadinho de camarão com quiabo. Tempera-se com azeite-de-dendê, cebolinha, salsa, coentro, ce
bola, tudo bem ralado. Deixa-se esfriar e serve-se ao santo, que o aprecia muito, dizem os crentes. Ilce do Tempo, ebome do Bate-Folha, assim fala. E Guilherme de Bogum o faz para seu Xangô.
Nas terras quentes da África Xangô nasceu. Foi rei e subiu para sua montanha longe dos olhos mortais. Levou suas mulheres, Obá, Iansã, Oxum e Obá Cada uma delas bela, guerreira e faceira. Levou seu machado duplo, com suas duas asas afiadas, de bronze, de um tempo paleolítico.
COMIDAS DE OBA, A GUERREIRA DE UMA ORELHA SÓ
Obá desejava ser a mais amada de Xangô. A tudo se humilhava por seu amor. Certa vez pediu a Iansã e a Oxum, também dengosas amantes deste Orixá dos raios, que revelassem o segredo do desejo de Xangô. E Oxum mandou que ela cozinhasse a sua orelha. E ela assim o fez. Quando Xangô viu o que lhe foi servido ficou enojado. E Obá até hoje, quando dança nos barracões de Santos baianos, vem cobrindo a sua orelha com seu escudo de cobre, e lutando com a sua espada, contra as mentiras.
Orixá, sincretizada na figura de Santa Joana D'Arc, come ovos, ao modo baiano, que, diga-se de passagem, são verdadeiramente deliciosos.
OVOS DE OBA
Reúna em uma frigideira boa porção de temperos verdes e faça um belo refogado com azeite-de-dendê, durante algum tempo. Abra os ovos que quiser em cima do tempero refogado, e vá cobrindo esses ovos com bola, tudo bem ralado. Deixa-se esfriar e serve-se ao santo, que o aprecia muito, dizem os crentes. Ilce do Tempo, ebome do Bate-Folha, assim fala. E Guilherme de Bogum o faz para seu Xangô.
OVOS DE OBA
Reúna em uma frigideira boa porção de temperos verdes e faça um belo refogado com azeite-de-dendê, durante algum tempo. Abra os ovos que quiser em cima do tempero refogado, e vá cobrindo esses ovos com o azeite-de-dendê fervente na frigideira. Quando estiverem duros, transfira-os para uma travessa e espere esfriar. Só se serve à deusa guerreira frios. Quentinhos para as pessoas que apreciam a frigideira.
lOGUN-EDÉ, FILHO DE OXUM COM OXOSSI
Logun é um Orixá andrógino. Não é bem conhecido nos terreiros cariocas, mas na Bahia dança ricamente, imitando os trejeitos de sua mãe, Oxum e de seu pai, Oxossi. Como qualquer Orixá, Logun, tem seus pratos prediletos. Neles há sabores deliciosos, ou¬tra vezes sabores fortes, pois sua preferência, ora é a delicada preferência de uma frágil donzela, ora a de um homem destemido e forte e bravo guerreiro.
Pierre Verger, autor de Dieux D'Afrique, afirma: Logun-Edé é filho de Inlê e Oxum. Suas cores são o verde, amarelo, azul-claro, e seus guiames (colares) são feitos de contas destas cores. Seu dia é o mesmo de seu pai, a quinta-feira. Recebe suas comidas na mata, posto que mora na macáia.
Aceita Efun-Oguedê xinxim de galinha, ipetê e também papa de milho verde, e manuê. Como já ensinamos a preparar as comidas de Oxum (e que são as mesmas de Logun) não há necessidade de repetir as suas receitas. Mas, vamos falar da saborosíssima pamonha de milho verde, comida de Oxóssi e que é também de Logun. Ele a adora ...
PAMONHA DE MILHO VERDE
Rala-se num ralador de flandre espigas de milho verde; com a massa pastosa que se obtém, e depois de passar na peneira, faz-se uma papa misturando-se açúcar, leite de coco e um pouco de água. Em seguida, pega-se a palha de milho, costura-se as bordas em forma de cone e ai se coloca a massa; dobra-se as pontas e amarra-se com tiras da própria palha. Numa panela com água em fervura vai-se jogando as pamonhas. Deixa-se cozinhar bem, depois retira-se, colocando-as num alguidar. Quando enxutas e frias serve-se ao Orixá Logun, dono dos seixos que rolam nos rios, seixos molhados de água, que são as suas representações materiais. Quentinhas, para os mortais é comida de muito agrado, tal o seu excelente sabor.
A BEBIDA DE LOGUN-EDÉ
Logun aceita a mesma bebida que Oxóssi.
O famoso aluá ou gengibirra faz-se desta forma:
Pega-se uma vasilha grande e nela se coloca uma boa quantidade de água para ferver. Põe-se dentro uma porção de milho, de arroz e cascas de abacaxi. Deixa-se fermentar por alguns dias.
Alguns colocam rapadura dentro, para dar um gosto mais aceitável.
Depois de três dias de fermentação, coa-se o líquido e serve-se ao Orixá. Alguns servem esta bebida em coités, outros preferem beber o aluá na quenga de coco.
CAPITULO SEGUNDO
O PORQUÊ DE OFERTAR
COMIDAS AOS ORIXÁS
O Brasil é um país cujo povo é formado pelo caldeamento de três raças. Nossa formação é, como se sabe, afro-luso-ameríndia. Luso por ter sido colonizado pelos portugueses, ameríndio pela população nativa que há milhões de anos habita nossas terras. Brasileiros, somos americanos, logicamente, pela situação geográfica, mas para os ocultistas nossos índios descendem da antiga Atlântida. Afro, pois quando os negros vieram para cá trouxeram não apenas seus braços para o trabalho mas sobretudo sua raça, da perdida Lemúria, para miscigenar-se e entrar no processo de formação cultural do nosso povo.
O tráfego de escravos negros foi intenso, e no processo de miscigenação, de fusão cultural, a raça americana ganhou um novo colorido, um novo canto, mais ardente, novas concepções de vida. E neste amálgama de cores, desejos, raças e vidas se fundindo, logicamente a alimentação e o misticismo (alimento da alma) sofreram um processo de sincretismo. Da Costa dos Escravos veio a maioria dos negros. Durante três séculos, três grandes nações da África vieram sistematicamente para o Brasil. Mas, sem dúvida, foram os negros do grupo nagô que mais influíram no Brasil. Suas comidas, sua concepção do mundo, suas tradições, criaram todo um mundo dentro do mundo brasileiro.
COMIDAS NAGÔ —OS CHEIROS E OS GOSTOS DE OIÓ
Os ataques cotínuos dos daomeanos, dirigidos contra seus vizinhos do sul, e do norte e do leste, e a guerra dos Fulani sobre a terra de Oió, capital do reino Iorubá, fizeram com que as tribos que lá viviam fossem vendidas para o Brasil. Grupos EGBA, EGBA¬DO, SABÉ foram vendidos. Particularmente os de KETU foram trazidos para a América. Depois da queda de Oió vieram também para cá grupos IJEBU e IJESA. É a herança dos KETU a que se deve a maior parte das tradições baianas e os cheiros e os gostos estranhamente agradáveis da comida-de-Santo.
Ao fundarem no Brasil — Bahia — seus primeiros terreiros, lá estavam também as iguarias requintadas dos Orixás. Todos os elementos do mundo irreal dos nagô, os eguns, os orixás, gostam de comidas. Eles têm que ser alimentados. O dendê, ataré, fazem parte do seu cardápio. Nos terreiros e em sua volta vive uma população que necessita cultuar seus deuses, seus ancestrais, e que para eles fazem as comidas, as bebidas e ligam-se a estes seres do ORUM (espécie de céu) pelo AXÉ. Nas roças de candomblé o gostoso perfume de vinho, de azeite, de mel e pimenta se espalha. Desde a fundação do Engenho Velho até hoje, quando os terreiros perdem muito de sua tradição, as comidas e bebidas santas são uma constante. A cozinha ritual, cheia de panelas de barro, de pedras de ralar, com suas noviças e cozinheiras é ponto fundamental do terreiro de nação. Osaniím (Ossãe), Ogum, Osóssi (Oxóssi), Xangô, enfim, todos os de Orum recebem dali, da cozinha ritual, seu néctar e ambrosia, suas ofertas devidas. A comida é um dos pontos que liga o AIÉ, ao ORUM (a terra ao céu).
APONOM — COMIDA DE IBEJI
Faz-se uma cocada com coco verde, cravo e açúcar, de ponto mais ou menos mole. Quando estiver fria, mistura-se farinha do reino. Faz-se pequenas pirâmides, que são colocadas no forno, em tabuleiros.
Esta comida é tradicional, segundo Pai Mazinho do Bogum. Serve para agradar Ibeji.
RAPADURA DE ERÊ
Leva-se uma rapadura ao fogo, derretendo-a em água fervente. Coa-se. Deixa-se no fogo para pegar o ponto. Joga-se um pouco de canela em pó na mistura. Mexe-se tudo. Pulveriza-se com gengibre. Espalha-se numa tábua amanteigada e corta-se em quadrinhos.
Esta iguaria é muito usada em candomblés de caboclo.
COCO DE IBEJI
Rala-se o coco. Espreme-se o bagaço num pano, para extrair o leite grosso. Põe-se o leite para ferver com duas rapaduras secas, cravo, água de flor. No ponto, junta-se quatro ovos. Deixa-se em fogo brando Não serve para festas, pois é característico de Ibeji e não da terra (aié), diz Pai Antônio das Brotas.
Nos candomblés de caboclo, os doces comuns substituíram as antigas comidas de erês.
OGUM — SUAS COMIDAS LIGAM-SE AS SUAS ORIGENS
Ogum é um orixá complexo, considerado geralmente como um dos filhos de Iemanjá. Nos mitos e crenças mais antigos, ele é chamado de filho de Odudua, mas em ambos os casos, o pai é Orixalá. Ogum está profundamente ligado ao mistério das árvores, e logicamente a Orixalá. Seu assentamento é plantado ao pé de uma cajazeira. Esta árvore é rodeada de espadas de Ogum, planta que o simboliza na Umbanda. Sua insígnia é um machete de ferro, com o qual ele abre os caminhos. Sua coroa é um akoro.
Sua comida é a farofa de feijão, gostosa e quente, ligada ao mito, que é quente e da terra, das árvores e do caminho.
FEIJOADA DE OGUM OU FAROFA DE FEIJÃO
Cozinha-se o feijão na água e sal, tendo o cuidado de não mexer, para conservar-se os caroços inteiros, sem arrebentarem. Escorre-se na peneira. Numa frigideira derrete-se o toucinho, com rodelas de cebolas. Quando a cebola estiver tostando joga-se a farinha para torrar, e por último o feijão.
Quando não se serve ao Orixá, toma-se com café.
ASIWAJU — O ORIXÁ QUE VAI NA FRENTE DOS OUTROS
As origens de Ogum datam dos tempos proto-históricos, e sua função é Asiwaju, aquele que vai na frente dos outros, o que segue primeiro. É um desbravador. Ele caça e inventa as ferramentas, primeiro as de pedra, depois as de ferro. Depois de correr a floresta, de caçar e ganhar todos os caminhos, ele se faz ferreiro e agricultor. Depois soldado. Ele faz a civilização. Ele é irmão de Exu, e seu companheiro mais calmo.
CAPITULO TERCEIRO
COMIDAS DE CABOCLOS —
USADAS NOS CANDOMBLÉS DE CABOCLO
Candomblé de caboclo é a denominação dada aos candomblés que aceitam a incorporação dos espíritos de índios brasileiros. O Candomblé crê que existem dois serem imateriais que vêm aos terreiros: os eguns (almas ou ancestrais) e os Orixás (fontes de energia da natureza). Nos candomblés tradicionais não se usa a incorporação de almas, elas são tratadas, mas só nas casas de eguns, como a de Itaparica. Lá, em Itaparica, elas são alimentadas, e os humanos deixam-se incorporar por elas. Nos outros candomblés, não. No entanto, os que se deixaram influenciar pelo culto dos índios (pajelança) se transformaram em "candomblés de caboclo". Nestes, usa-se dar comida aos índios que lá baixam. Vamos ver suas lendas e suas comidas perfumadas e tragadas com a bebida "Juremas" (da árvore do juremeiro).
LENDAS DOS ÍNDIOS E O COQUINHO DE TUCUMA, QUE VEM JUNTO COM A COMIDA DE TUPÃ
No princípio dos tempos não havia noite, contam os tupis. Dia, somente dia, reinava na Terra. A noite ainda estava adormecida no seio das águas. Não havia
animais, mas as coisas, os ventos, as pedras sabiam falar.
Certa vez, o Arco-íris, deusa das sete cores que mora nos céus, resolveu se casar. Mas o marido não desejava dormir com a luz do sol. Pediu então que lhe trouxessem a noite num coquinho de tucumá.
Assim, a noite vinha num coquinho, mas escapou. Desde então, após o sol, ela vem brejeira e mansa brincar com a imaginação dos homens. E é devido a esta lenda que, para enfeitar os pratos de caboclos, os candomblés de caboclo usam colocar coquinhos de tucumã, não para comer e sim para embelezar o prato.
Na poesia selvagem das lendas de nossos índios há sempre estórias que falam da mandioca (macaxera), que era a base de sua alimentação, que falam dos peixes e da caça. Estes são os três elementos das comidas de caboclos. Sobre este tema (lendas dos índios), ver a obra A Sete Giras de Exu, de minha autoria. Os índios brasileiros possuíam a idéia de que todas as coisas tinham pai e mãe, e assim, quando se põe uma comida para caboclo deve-se (diz Pedro de Tupinambá, conhecido pai-de-santo de Candomblé de caboclo) pedir licença ao nosso pai e à nossa mãe de cabeça. Os índios conversavam com as estrelas e a elas pediam conselhos. Por esta razão, eles gostam de por comidas ao luar para os caboclos da lua, das estrelas e da noite
COMIDA DE CABOCLO TUPINAMBA E TUCUMA
Quando os homens ainda não tinham nascido, Tupã fez um boneco de barro e soprou-lhe no nariz, nos olhos, na boca e no ouvido, fazendo com que ele adqui
risse vida. Este foi o primeiro homem. Nasceu na maloca de Acupari. Este homem não sabia caçar, por isso CARU-SACAÉBE, deus da caça, ensinou como fabricar o arco e a flecha. Por esta razão o arco e a flecha são sagrados para os índios. E como enfeites, eles são usados ao arriarem as comidas de Caboclo. Para caboclos curumins (crianças), usa-se arriar junto com as comidas, brinquedos. O brinquedo dos índios era o licocó, boneco de barro colorido. Uma das coisas mais simples para agradar os caboclos é arriar mel, com espigas de milho cozidas, e brinquedos no caso de ser caboclo curumim.
O peixe de caboclo é feito assim. Limpa-se um dourado, piau ou namorado e coloca-se inteiro numa travessa com cebola, camarão seco, coentro moído e azeite de dendê. Depois de absorvidos os temperos, prepara-se uma farofa, com um refogado de dendê, cebolinha e salsa, adicionando-se farinha de mandioca. Enche-se o peixe com a farofa e leva-se ao forno. Enfeita-se o prato com folhas de cróton, caiçara, coquinhos de tucumã. Este prato é especialmente preparado como comida de Tupinambás e também para Oxóssi dos rios.
COMO ORGANIZAR A COZINHA DE SANTO
Nos primeiros candomblés fundados na Bahia surgiram o terreiro, onde dançam os Orixás e Voduns, a fonte onde se banham as iaôs (iniciadas), as árvores sagradas (onde mora lroko e Tempo), as casinhas de Exu e de Eguns e a cozinha de Santo. Lá, na cozinha, entre panelas de barro, caldeirões antigos e perfumes de dendê e arruda, fazem as iabás (cozinheiras) os pitéus dos deuses negros.
Nas comidas e nas oferendas de Caboclos há restos de crenças dos índios, feitiços de pajé, do tempo de Tupã.
Assim, a cozinha de santo difere da comum. Mas, nos atuais terreiros não há grandes diferenças.
Nas antigas, deve-se obedecer a um esquema, secreto, sem o qual não há como fazer os agrados dos santos.
Lá se fazem as obrigações, as comidas e as bebidas.
Tradicionalmente, a cozinha de Santo tem os seguintes apetrechos de uso indispensável:
a) Mesa ou banca (sobre a qual se coloca fogareiros).
b) Um fogareiro (ou vários) de carvão vegetal.
(Usa-se também, a critério de cada Terreiro,
o fogão de lenha ou trempe formada por três tijolos).
c) Panelas de barro ou de ferro e colheres de pau.
d) Máquina de moer carne, ou ralador de flandre, de formato côncavo, ou a secular pedra de ralar, ainda usada no Gantois e na Casa de Pai Adão, em Pernambuco.
e) Abano de palha e pegador de brasas (uma espécie de pinça gigante, feita de chapa de ferro).
Estes são os utensílios básicos para a organização da cozinha de Santo, hoje muito desprezados, pois a modernização, com toda a sua parafernália, vem descaracterizando a tradicional cozinha dos terreiros.
ATOS SECRETOS NO CULTO DOS ORIXÁS
Os Iorubas, como os egípcios, praticavam os mais diversos votos, consagrações e oferendas, para agradecerem às divindades, como a encomenda da alma de um morto (egum), ou egum-gum em nagô, que quer dizer osso, com preceitos do vumbi (orações). Para as crianças recém-nascidas até 7 dias havia uma cerimônia (espécie de batismo) onde o babalaô banhava-as com água, numa panela (oberó) de barro (alguidar), e queimando ervas odoríferas ia pronunciando o nome da criança várias vezes. Algumas vezes o batismo era realizado com unção de óleos vegetais (no caso do abikum dentro do ventre do iniciado). — "Os lavarás com água e tomarás o azeite de unção, o derramarás sobre a tua cabeça". Exodus.
Também havia vários ritos, como invocações aos deuses, para o tratamento dos enfermos. (Nesse caso, usava-se a saliva em mistura com frutos sagrados do dandá e do obi, os quais, depois de mastigados pelo Babalaô, eram esfregados na testa, nas narinas, olhos e ouvidos do paciente). Em seguida fazia-se rezas com ervas sagradas dos Orixás, abô. Tomavam uns três banhos diários e, como os antigos sacerdotes egípcios, raspavam (catulavam) os pêlos da cabeça, axilas e regiões pudicas. Também usavam farofas para o culto de invocação das dinvindades, segundo o que narra a Bíblia, Levítico, cap. 2. "E quando alguma pessoa fizer oferta de manjares ao Senhor, a sua oferta será de flor de farinha, e nela deitará azeite e mel e porá o incenso sobre ela."
Como vemos, essas religiões nasceram todas do mesmo berço, cujo princípio se entrelaça com a própria história do homem, seu aparecimento na Terra e desenvolvimento. A religião dos Iorubas tem o seu fundamento nos mistérios e rituais sagrados dos egípcios e também dos israelitas.
Dizem que Moisés aprendeu magia no Egito, onde estudou no Seminário Teológico de Heliópolis, tendo como mestre um hierofante africano de nome Jetro, com cuja filha se casou, no deserto de Dará. * Os africanos do sul, que chegaram ao Brasil, tiveram contato direto com os egípcios antigos. Eram seus descendentes, o que prova a identidade religiosa e artística, descoberta pelo pesquisadores, como vemos no livro Ilê de Ifá. Semelhanças nos hieróglifos encontrados, representando o mesmo céu curvo, e a similitude nas palavras, pois os geges-nagôs e ketu são derivados dos antigos egípcios. Os nomes das divindades (Orixás) africanas são derivados de divindades egípcias, segundo consagra as lendas em relação aos nomes: Orixá (sagrado) deriva de horus. Seta (Oxalá) — Senhor do Céu, vem de Horu (Deus) título dado a Osiris (sol) — Senhor do Céu dos egípcios. Quanto aos amuletos, de acordo com a sua fé religiosa, usavam os Orixás, representados pelos jujus, bonecos feitos da madeira de árvores sagradas que eram tomadas como residências transitórias, pois para os Iorubás, assim como os egípcios, os espíritos da natureza podem viver em qualquer lugar ou em qualquer coisa. O objeto em si mesmo, como material, não é adorado. O adorador do fetiche ou amuleto, ou patuá, o faz como uma coisa sem maior utilidade, um conteúdo de axé. Alguns podem pensar que os amuletos dos Iorubas, de acordo com a sua fé religiosa, as imagens dos deuses e animais sagrados eram locais onde os espíritos ficavam temporariamente, enquanto durasse a imantação. Como exemplo, temos o Culto do Ifá (o
revelador de tudo o que é oculto ou perdido), o que fala do passado, presente e futuro, o patrono dos amores, das conquistas amorosas do amor carnal. O oráculo (dono dos segredos) é o mesmo culto que os egípcios praticavam em memória dos mortos e no qual cultuavam a Ods, o mesmo que na religião dos Iorubas se conhece por Odu. E daí que os nossos colonizadores portugueses cometeram o gravíssimo erro, descrevendo como fetichismo o culto que viram na África dos "Espíritos Ancestrais". Os primeiros portugueses que aportaram a África Ocidental (1440 a 1500) vinham de uma Europa Medieval presa de bruxarias e rica de amuletos, encantamentos, relíquias, etc., então chamados de feitiços e os seus praticantes feiticeiros e bruxos.
O Vodu também era praticado usando-se bonecos feitos de argila, à semelhança da pessoa a quem era dirigido.
Esses rituais eram praticados em cerimônias secretas, com ritos estranhos no Culto aos Eguns (mortos), coisas de fundamentos e Erós (segredos), não se permitindo serem revelados a qualquer pessoa fora do culto ou iniciado na seita.
COMIDAS E PRESENTES
PARA JANAINA,
A SENHORA DO MAR
A noite da Bahia, feita de prata e ouro, de brisa e calor, perfumada de pitanga e incenso, noite de encantamento, foi acordada pelo som dos atabaques que vibravam lá para as bandas do cais.
Dona Janaína era saudada na voz dos ogãs (cantores e tocadores sagrados), que se misturava às cantigas chorosas do mar.
Nos botequins a cachaça rolou no chão para saudar Exu das praias, das encruzilhadas e dos cemitérios.
Por que esta festa louca e mágica, na beira do mar agitado e espumante? Para receber o gênio das águas, Ipupiara, Martim Pescador, bêbado marujo dos cultos de Candomblé e Dona Maria, Marabô, Inaê, a Iemanjá dos cinco nomes.
A meiga mãe, dos peixes receberá agora manjar, peixe branco (tainha), rosas e champanha. E virá de seu mar, do Recôncavo, da Lagoa do Abaeté, e ficará até a madrugada.
IEMANJÁ, SEREIA DOS CINCO NOMES
Iemanjá nasceu na África. Lá, no seu rio sagrado sempre foi rainha. Depois, quando as tribos vieram de Oió, de toda a Ilu Avé, ela também veio para o Brasil. Seu canto de sereia acompanhou os tumbeiros, ouviu o banzo, viu a chibata e acampou no primeiro axé, na Barroquinha, onde foi plantado o seu poder nas águas serenas de uma nascente (olho d'água) que havia por lá.
Mas no culto da Mãe-d'água se fundem muitos mitos. No livro Rituais Secretos da Magia Negra e do Candomblé estão relatados muitos destes mitos, como a Lorelei germânica, a Iara dos tupis, a Tupana de Atlântida e até as Vênus paleolíticas. Mas vamos, com o sabor de sua poesia selvagem, ver seus ritos, suas comidas e oferendas.
Terno branco bem engomado, chapéu claro, gra¬vata lustrosa, Pai Otávio veio de saveiro, de sua casa de Santo, festejar esse moleque das águas, Ipupiara e a suave dona Janaína. Ipupiara é meio homem e meio peixe com jeito de serpente. Esse "netuno caboclo" só é conhecido em Salvador. Adorado também pelos filhos de Martim Pescador, pelos que gostam da Mãe d'água, esse muito não existe na Umbanda. Aparece também nos catimbós, e bebe cachaça, fuma charuto, come peixe e camarão.
Para ele, a oferenda é sete cabacinhas de aguardentes, sete charutos, sete caixas de fósforos, sete peixes brancos, cozidos, disse-me Pai Otávio. Por que o número sete? "— É devido ao valor numérico, pois o sete é o número da perfeição."
Realmente, na Bíblia, no Velho Testamento, o sete é o número da perfeição. Tudo no Candomblé encontra semelhança: o culto das pedras, o número 12 nas comidas de Xangô, tudo muito semelhante com o descritivo do Velho Testamento.
COMIDA DE MARTIM PESCADOR-ENCANTADO JUREMEIRO
Ele dança como se tivesse tomado muita aguardente. Sempre chega assim nos terreiros de Candomblé de caboclo. É um encantado. Ele bebe aluá, cachaça e come a seguinte comida:
CAMARÃO DE MARTIN PESCADOR
Uma boa porção de camarões frescos. Um coco ralado, uma xícara e meia de água fervente, uma colher de sopa de manteiga, uma de cebola picada, uma xícara de massa de tomates, salsa, cebolinha, coentro cortado miudinho. Junta-se a água fervente ao coco ralado, espreme-se, retirando-lhe o leite.
Prepara-se um molho branco, juntando todo o leite de coco, uma parte de manteiga e uma xícara de farinha de trigo. Deixe esse molho separado.
Frite o camarão e a cebola no restante da manteiga, junte à massa de tomates o tempero que está cortadinho e ainda o molho branco que estava reservado. Se for necessário engrosse um pouco mais a massa com farinha de trigo. Tudo junto e pronto espalha-se sobre um peixe cozido, branco e de espinha central grande. Serve-se frio a Martim Pescador.
PARA IEMANJA, O PEIXE E O MANJAR
Sempre que se servir a Martim, tem que se servir a Iemanjá. Para ela, um manjar branco de coco, em forma de peixe (há formas de lata com a forma de peixe), e um peixe verdadeiro, branco, de preferência tainha, ou um outro qualquer que seja de carne clara, cozido, sem sal. E arma-se uma "mesa branca", toalha branca, frutas claras, rosas brancas e põe-se as comidas e uma champanha.
Odu, que é calunga grande Odociá. Mãe Sereia.

*Autoria desconhecida.
Caso alguém saiba a autoria é só me dizer que, imediatamente, darei os devidos créditos, obrigada!


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